MEMORIAL AOS MORTOS NA GRANDE GUERRA

Os Campos de Batalha 

 

O início da 1.ª Guerra Mundial, em Agosto de 1914, representou, para a generalidade das potências da Europa Ocidental envolvidas, o retorno aos campos de batalha do Velho Continente, depois de 43 anos de paz. Nesse espaço de tempo, os exércitos de algumas dessas potências tinham-se empenhado em conflitos coloniais de intensidade relativamente baixa, que poucas vezes serviram para antever correctamente o tipo de dificuldades que uma nova guerra europeia colocaria aos seus participantes.

O progresso entretanto verificado no capítulo das armas de fogo (precisão, alcance e volume de fogo), das transmissões e dos transportes alterara profundamente as características dos campos de batalha, tomando como referência o último conflito entre potências da Europa Ocidental (Guerra Franco-Prussiana/1870-71). A 2.ª guerra anglo-bóer (1899-1902) havia demonstrado que a distância do combate eficaz atingia, agora, 800 metros, em vez dos 400 metros de 1870. A consequência desta diferença era, naturalmente, que a infantaria atacante ficava exposta aos fogos do inimigo durante muito mais tempo e a vulnerabilidade dos cavalos reduzia tremendamente o emprego ofensivo da cavalaria. Como, além disso, a intensidade e precisão dos fogos haviam aumentado, tudo se conjugava para que os campos de batalha ficassem pejados de cadáveres.

Um pouco mais de um mês de operações móveis foi suficiente para os chefes militares de ambos os contendores se aperceberem da dura realidade: perante a superioridade do fogo sobre o movimento, o choque e a protecção, a atitude defensiva passava a ser a que oferecia um menor preço de sangue. Naqueles momentos de gritante desorientação, o princípio de que “só a ofensiva conduz à vitória” dava lugar a uma prática que assentava na sobressaltada convicção de que “só a defesa evita a derrota”. A construção dos sistemas de trincheiras iniciada em Setembro de 1914, entre o canal da Mancha e a fronteira suíça, ao longo de cerca de 765 km, transformaram essa autêntica “fronteira da guerra” num campo de batalha quase linear e de pequena profundidade. Era como se, na realidade, cada um dos contendores fosse, simultaneamente, sitiado e sitiador.

Inicialmente, as estruturas de defesa linear estavam longe de ser uniformes. Os Alemães mandavam instalar a infantaria numa primeira linha, em que o apoio próximo se reduzia a umas poucas posições de metralhadora. Os Britânicos, com alguma experiência prévia na matéria, obtida na guerra anglo-bóer, cedo avançaram para o sistema de três linhas – frente, apoio e reserva – ligadas por trincheiras de comunicação, em ziguezague. As linhas seguiam um traçado irregular, com mudanças constantes de direcção, de modo a impedir que o rebentamento de uma granada no seu interior pudesse ferir os ocupantes numa grande extensão. O mesmo efeito limitador se obtinha, desse modo, no caso de se verificar uma penetração inimiga num ponto qualquer do dispositivo.

O sistema britânico acabou por ser adoptado pela generalidade das tropas aliadas, embora os Franceses – sempre obcecados pela ofensiva – o fizessem nitidamente mais tarde. À frente das trincheiras, à distância do lançamento de uma granada de mão, eram implantadas redes de arame farpado, destinadas a amortecer o ímpeto do inimigo no último lanço antes do assalto. Adiante destas redes, corria a estreita faixa de terreno designada por terra-de-ninguém, normalmente de largura inferior a 500 metros, podendo mesmo não ter mais de 50 metros. Logo após os primeiros combates, a terra-de-ninguém transformava-se numa verdadeira paisagem lunar, repleta de crateras, onde todos os sinais de vida se reduziam a imagens de pesadelo.

As condições de vida nas trincheiras eram particularmente penosas. Durante a época chuvosa, muitas delas ficavam inundadas e cheias de lama. Para os militares feridos, a existência de lama era uma situação particularmente propícia ao desenvolvimento de infecções graves. As condições sanitárias eram aterradoras. Na terra-de-ninguém, enormes ratazanas devoravam os cadáveres insepultos e passeavam-se pelas fendas das paredes das trincheiras. As doenças dos pés – pé-de-trincheira e frieiras ulceradas –, causadas pelo contacto prolongado com a humidade e com o frio e agravadas pelas deficientes condições de higiene, foram responsáveis por inúmeras baixas de ambos os lados, muitas vezes requerendo a amputação de membros gangrenados.

Exceptuando as acções de ataque deliberado, de parte a parte, a rotina da vida das trincheiras só era quebrada pelos ocasionais disparos de atiradores especiais, pela aproximação de patrulhas de reconhecimento e pelos bombardeamentos quase diários.

Para além desta experiência europeia, a que o Corpo Expedicionário Português foi sujeito, é de referir que, embora com características diferentes, também em Angola e Moçambique foram travados combates contra forças alemãs, em condições de dificuldade que importa sublinhar. Sendo campanhas de intensidade menor, as grandes distâncias a percorrer, as enormes dificuldades logísticas e de comunicações e as deploráveis condições sanitárias – causadoras de pesadas baixas não devidas ao combate – concorreram para um resultado estratégico muito modesto, que a vitória final não permite olvidar.

David Martelo



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