MEMORIAL AOS MORTOS NA GRANDE GUERRA

Os Monumentos: marcos evocativos

 

A Comissão dos Padrões da Grande Guerra (CPGG) (3 de Dezembro de 1921 a 10 de Novembro de 1936) protagonizou os fenómenos de maior sucesso na intenção do Governo Republicano de sagração da memória da participação portuguesa na I Guerra Mundial. Uma campanha de homenagem aos esforços da guerra por uma intensa propaganda patriótica, através da concepção de um conjunto de cerimoniais nas principais efemérides da guerra, bem como a perpetuação desse esforço rememorativo através da concepção de monumentos.
A 3 de Dezembro de 1921 reuniram-se, pela primeira vez, na sala nobre da Escola Militar, sob presidência do General Gomes da Costa, alguns antigos combatentes, dando origem à “Comissão dos Padrões da Grande Guerra, que durante 15 anos deveria trabalhar para levar a bom termo o seu patriótico objectivo, que consistia na ereção de monumentos, que designamos de Padrões da Grande Guerra.” (Relatório, 1936, p.17)
A atividade da CPGG desenrola-se essencialmente ao longo de três fases: numa primeira baseia-se essencialmente na propaganda, para que se pudesse usufruir os fundos necessários para projetar as construções monumentais. A segunda etapa do seu trabalho diz respeito essencialmente à projeção e levantamento do Padrão de Portugal em La Couture, até 1928, quando é entregue ao poder local francês. A última, até 1936, seria marcada pelos trabalhos respeitantes aos demais padrões – Luanda, Lourenço Marques, Santa Maria e Ponta Delgada.
Tendo como grande bandeira a perpetuação memorial da participação na I Guerra Mundial, a sua ação resultou nas produções monumentais mais grandiosas de homenagem aos mortos da guerra. Trata-se, acima de tudo, de um exercício de veiculação dos valores da Pátria triunfante. Pela primeira vez, mesmo antes de ser inaugurado o monumento nacional aos mortos da Grande Guerra em Lisboa, foi dada palavra à vitória aliada em Portugal.
O primeiro patrocínio da Comissão foi dado aos Sete Padrões, da iniciativa do Touring Club de France, colocados desde a Suíça até o Mar do Norte – limite do antigo sector francês, todos com o mesmo modelo, da autoria do escultor e antigo combatente Moureau-Vauthier, cada um com uma letra correspondente ao nome de Portugal. Foram inaugurados pelos delegados da Comissão dos Padrões da Grande Guerra, General Roberto Baptista e o Almirante Afonso de Cerqueira, a 9 de Abril de 1923.
No ano de 1928, foi consagrada a primeira fase dos trabalhos da Comissão, com a entrega, em dia de Armistício, do Padrão de Portugal de La Couture, de Teixeira Lopes. Apesar de algum teor religioso/funerário deste padrão, a verdade é que se trata de uma exceção extremamente literária, num conjunto que deambula entre o cívico e o carácter claramente patriótico e vitorioso, visível nas estruturas de Luanda ou Lourenço Marques, já tardiamente finalizadas.
As obras de Luanda e Lourenço Marques são, manifestamente, a celebração mais explícita num contexto de raras execuções, a este nível, da vitória portuguesa na I Guerra Mundial. Lourenço Marques, um dos melhores exemplares de Rui Roque Gameiro, apresenta uma Pátria extremamente fortalecida por uma vitória militar, denunciada pela serpe que traduzia a mestria dos navegadores e de um escudo e gládio, símbolos da força, mostrando-se em toda a pujança, de seios erectos e olhar longínquo. Da mesma forma, o Monumento de Henrique Moreira para Luanda, o padrão que teria 17 metros de altura, compreendia um grandioso pedestal de granito, simbolizando o altar-votivo da Pátria, sobre o qual um grupo de mármore, representando os militares europeu, colonial, africano e um marinheiro, rodeava uma Vitória triunfal, extremamente enérgica, com grande movimento de panejamentos, cabelos e asas.
O esforço da Marinha portuguesa não foi esquecido, daí a consistente ideia de erguer em Ponta Delgada um padrão, de forma a imortalizar as operações, no Atlântico, do comandante Carvalho de Araújo. Só em Abril de 1935 seria assinado contrato com o arquiteto Raul Lino e o escultor Diogo Macedo para o monumento de Ponta Delgada.
A ideia do padrão de Santa Maria parte dos habitantes locais, como forma de homenagem aos marinheiros do Augusto Castilho. No entanto, devido à falta de dinheiro, a realização foi feita em Lisboa, obra de Raul Lino, entregue ao Grémio dos Açores a 14 de Outubro de 1929, no 11.º aniversário do combate do Augusto Castilho.
Paralelamente ao desenrolar destes trabalhos centrais de levantamento dos monumentos, a associação procurou, tal como se inscreve no relatório de atividades, “o enaltecimento do esforço da intervenção militar de Portugal nos preocupou e, em harmonia com os nossos objectivos morais, fomos promovendo e realizando aqueles atos adequados à educação cívica do Povo: culto dos Mortos da Pátria, culto do Azeite Votivo e culto do Soldado Desconhecido.” (Relatório, 1936, p. 20)
A partir do ano de 1921, depois de consagrados os Soldados Desconhecidos, o esforço comemorativo passou a ser dirigido, ainda sob a tutela do Ministério da Guerra, essencialmente pela CPGG, com a introdução de novos rituais e símbolos, procurando organizar e celebrar regularmente, à parte das volubilidades políticas, o ‘9 de Abril’ e o ’11 de Novembro’. Na verdade, a comissão iria consumar no tempo e no espaço a ideia de uma vitória aliada e portuguesa. Certo é que a instituição mantinha uma clara autonomia do poder central, garantindo persistência ativa à parte das irregularidades da vida política nacional, tratando-se de um agrupamento constituído por oficiais do Exército, da Armada e civis, antigos combatentes da Grande Guerra, tendo também personalidade jurídica e podendo celebrar os contratos necessários para efetivação dos seus fins.
Desenvolveu uma obra avaliada em 2000 contos; erigiu sete padrões no antigo sector português da Flandres e outros em Luanda, Lourenço Marques, Ponta Delgada e Santa Maria; promoveu as comemorações do 9 de Abril e do 11 de Novembro; organizou e administrou o Museu das Oferendas ao Soldado Desconhecido; lançou o culto cívico do Azeite Votivo; secundou a ação da Junta Patriótica do Norte, com o incentivo à construção de monumentos concelhios e do monumento a Carvalho Araújo, em Vila Real; e fez transladar os restos mortais do primeiro soldado morto na Flandres do Cemitério de Richebourg l’Avoué para a Barquinha. Meios monetários e logísticos não faltavam, “por meio de uma intensa propaganda patriótica, em sessões solenes, conferências e festivais”, com o apoio de comunidades portuguesas no estrangeiro, sobretudo a brasileira, e a aposição obrigatória do selo dos padrões da Grande Guerra.

Relatório Geral da Comissão dos Padrões da grande guerra (1921 a 1936). Lisboa: [Tipografia da Liga dos Combatentes da Grande Guerra], 1936.

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Texto publicado e adaptado do Dicionário de História da I República e Republicanismo.

Sílvia Correia



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